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BICIGRINO EM SANTIAGO: O ESCOPO ESTAVA ERRADO

Chegando à catedral de Santiago, percebi que consegui cumprir rigorosamente todas as etapas de meu projeto, com algumas modificações intermediárias, mas que não afetaram o escopo original. Consegui chegar às muralhas da cidade um dia antes do previsto, a um custo bem menor do que eu havia estimado. Não tive problemas de saúde, nem problema mecânicos com a Babieca. Tudo funcionou perfeitamente. O plano que elaborei funcionou, permitindo-me realizar a jornada com relativa folga e grande êxito.

Entretanto, três meses depois do meu retorno, pergunto-me: Por que não desci da Byke naquele dia maravilhoso durante a trilha? Por que não parei em todas as igrejas ? Todas as catedrais? Por que não estendi o trecho até aquele outro povoado onde eu poderia ter visto tal coisa? Por que não passei mais tempo com aquelas pessoas ? Por que fiquei tão preocupado com o cronograma e com o meu desempenho pessoal, que deixei de ouvir mais profundamente os sons do silêncio da solidão do caminho ? Por que não me atrasei um pouco, para sentir o momento e tudo o que ele estava me proporcionando ? Se Santiago estava comigo, por que a pressa?

Caramba, será que mirei no alvo errado? Será que o escopo de meu projeto era chegar na cidade de Santiago, conforme constava em meu plano ? Ou será que viver e sentir o caminho em si é que deveria ter sido o escopo do meu projeto ? Meu plano teria sido outro. Ouro cronograma, outro orçamento, outros benefícios. Mirei na catedral e deixei de sentir a beleza do pasto. Fiz certo um projeto que tinha o escopo errado. Que pena! … Que bom! Terei que voltar.

BICIGRINO EM SANTIAGO: SOBRE BURGOS E AS MANCHETES

Assustei-me esta manha com as capas dos jornais retratando um prédio destruído em Burgos. Imediatamente fui remetido às lembranças de minha passagem pela cidade durante minha bicigrinação no último mês de Abril/2009. Esta é a segunda vez que Burgos me acorda depois do meu retorno. A primeira vez foi o caso do peregrino Italiano encontrado morto no albergue Del Cubo – o mesmo em que eu fiquei hospedado.

Para mim essas notícias são motivo de lástima, primeiramente pela consideração à cidade de Burgos, terra de El Cid, linda e acolhedora (ganhei um jantar de graça e uma roda de papo que adentrou a noite por causa do nome da minha bicicleta, Babieca). Trataram-me maravilhosamente bem, desde a chegada triunfal por uma trilha margeando o rio onde pessoas comuns pescavam trutas e que desembocava no pórtico de entrada da cidade, imediatamente próximo da catedral e do albergue – aliás, o de MELHOR infra-estrutura de todo onde eu me hospedei. Burgos seria a cidade que eu escolheria morar se tivesse que me mudar para a Espanha. Cosmopolita sem exageros, conservadora nos hábitos e na preservação de sua história, moderna nas artes e na técnica, além de ter-me parecido economicamente pujante. 

Em segundo lugar, e principalmente, latimo pesarosamente o uso da força e da violência como meio de encaminhamento de propósitos e idéias. Em terras de São Tiago, no centro do caminho que nos empurra para frente e para o alto (ultréia e suséia) em nossa humanidade e religiosidade, parece-me inadmissível aceitar a violência bruta, justificada por posições ideológicas. Burgos não merece essa manchete! São Tiago esteja com todos nós.

Chegada a Burgos

Chegada a Burgos

Bicigrino em Santiago: Escopo do Projeto II

No último dia 27 de Maio foi encontrado morto um peregrino que fazia o caminho de Santiago de Compostela. Morreu dormindo num albergue da cidade de Burgos (aliás, um dos melhores em estrutura do caminho). Imediatamente diversas vozes se levantaram nos fóruns a alertar sobre a necessidade de se estar em condições adequadas de preparação física e de saúde antes de dar início à jornada.

Incluindo a mim, que com o meu exemplo de planejamento, preparei-me adequadamente fisicamente para a jornada, acabamos por restringir o desejo de muitos possíveis peregrinos ansiosos por fazer o caminho, pelo motivo que lhe conviesse.

Um único peregrino, entretanto, escreveu sobre a possibilidade de ter sido ‘boa’ a morte de quem morreu caminhando. Qualquer que seja a nossa influência religiosa espiritual, afinal, não é esse o sentido da vida?

Bicigrino em Santiago: Motivação para a Jornada

Não me considero religioso nem místico, pelo contrário (ainda que meus amigos e irmãos mais próximos tentem me convencer do contrário). Sou totalmente cartesiano e pragmático – por isso me encontrei nessa profissão de gerente de projetos. Mas, exatamente por ter que mudar meu modo natural de pensar, que essa experiência, foi muito gratificante para mim.

Aprendi a me conhecer melhor. Analisei meu comportamento diante de riscos, do medo, da solidão. Coloquei-me distante da minha rotina de vida e trabalho e pude refletir sobre ela como alguém que vê de fora – um amigo, por exemplo, que te conhece e te dá conselhos. Estranha sensação de falar comigo mesmo durante horas a fio.

Praça do Obradorio

Praça do Obradorio

Ainda que meus motivos da minha viagem não fossem, necessariamente, religiosos ou místicos, contagiei-me cada vez mais pela religiosidade Cristã que paira sobre o caminho. Aproximei-me e experimentei a verdadeira vida peregrina. Senti as dores de ficar horas sobre a byke, com os músculos em atividades intensa. Senti frio. Dormi em saco de dormi sobre um beliche e, por algumas vezes (poucas) no chão de pedra. Tomei banho frio e comi apenas aquilo que necessitava para manter a minha integridade física e continuar trilhando o caminho. 

Aprendi (li em um dos locais que visitei) que o caminho é uma escola de vida, nele emergem a solidariedade frente ao individualismo, a conversação frente a falta de comunicação, o mundo interior frente à dissipação, a austeridade frente ao consumismo, o espírito aberto frente ao localismo, a simplicidade frente à complexidade, a personalidade frente ao mimetismo social e o sacrifício frente ao hedonismo.

Encontrei meus motivos no caminho, terminei mais próximo de mim, dos meus e de Deus. Ultreia e Suseia!

Bicigrino em Santiago: Preparativos do Embarque

Embarquei na quarta feira primeiro de Abril (e não foi mentira!) para minha peregrinação pelo Caminho de Santiago de Compostela. O friozinho na barriga, que começou leve, sutil, quase imperceptível, estava incomodando. Há tempos eu vinha desenvolvendo esse projeto (sim, foi encarado como um verdadeiro projeto, afinal de contas, “casa de ferreiro, espeto de ferro”), desejoso de desafios maiores e mais intensos, nas trilhas do meu amadurecimento pessoal, espiritual e profissional (adorei ler Dom Quixote! Dom Alonso Quixano – saí em busca das aventuras que li nos livros. Será que eu já endoideci ?). Acreditava estar razoavelmente preparado, física e espiritualmente para a jornada. Acreditava ter feito um bom trabalho de planejamento e, sobretudo, na minha experiência e competência na condução de projetos complexos, regados a incertezas e mudanças drásticas que geralmente viram do avesso e de pontacabeça o plano inicial.

Fui de byke, sozinho e sem carro de apoio pelo Caminho Real Francês, saindo de Saint Jean Pied de Port no sul da França. Tudo o que levei cabia dentro de 2 alforges que levei nas laterais da bicicleta. Qualquer coisa a mais implica em peso adicional para carregar, por isso, a escolha de tudo o que foi dentro dos alforges (roupas, equipamentos de manutenção, etc) tinha que ser ser feita com todo o cuidado e discernimento. Foram 14 dias de trilha, 843 KM ao todo (contando com os erros). Aproximadamente 60 KM por dia, em trechos de altimetrias bem diferentes. Peguei desníveis de 200 a 1200 mts em 10KM, aproximadamente. Peguei frio intenso, trechos cobertos com gelo e neve nos picos. Tudo isso exigiu planejamento e muita cautela na condução. Cheguei ileso. Nada aconteceu com a Byke ou comigo. Não foi fácil, mas a emoção da chegada foi extrema. Repetindo uma frase que gosto de mencionar em minhas aulas, sensação é a de que “Pain is Temporary, Proud is forever”.


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j2da@j2da.com.br

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